segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Em Dijon, siga o caminho da coruja


Famosa pela mostarda do mesmo nome, Dijon a 130 km de Paris é uma das mais bem preservadas cidades medievais da França. Em 2015 teve o seu centro histórico incluído como Patrimônio da Humanidade da UNESCO. 

Das suas histórias me atento às curiosidades. Conhecer Dijon é andar à pé e fazer o roteiro chamado "caminho da coruja". É incomum, original e agradável. Passa pelos principais pontos turísticos do centro da cidade e cruza as suas ruas medievais. Cada um desses pontos é sinalizado por um placa numerada de metal no chão com o símbolo da coruja, um amuleto de Dijon.

O Caminho da Coruja 
Montagem de foto com a mão na coruja, placa da rua La Clouette, e o símbolo da coruja no chão das ruas de Dijon

Mas, sem dúvida encontrar  o marco da Rue de la Chouette é o mais curioso. Ali, a coruja está no chão e entalhada na parede da imponente Catedral de Notre Dame. Tocar na coruja traz sorte e realiza os pedidos, diz a lenda. Segundo  a explicação da guia para o Superlinda "É uma superstição, já que naturalmente a igreja não permitiria isso como um símbolo de "sorte". Ela acrescenta que pode ser uma assinatura do arquiteto, pode ser o símbolo da obscuridade, no sentindo de 'sombra', por ser um animal noturno. Ou o mesmo o olhar noturno, de vigília, atribuído a coruja". O importante é saber, diz a guia "que são hipóteses atribuídas ao símbolo, e em sendo assim, é possível acreditar no que  se queira".

Catedral de Notre Dame de Dijon
Duas foto da Catedral de Notre Dame de Dijon
Ainda sobre a Catedral, ela foi construída em 1230 e traz na severa fachada gótica as suas mais de 50 gárgulas que são desaguadores para escoar água da chuva, ornadas com figuras monstruosas ou animalescas comuns na arquitetura gótica. No caso da Catedral de Dijon, as gárgulas representavam os vícios que as pessoas tinham. Serviam como reflexão aos que entravam na igreja sobre o que poderia lhes acontecer caso não cuidassem dos seus pensamentos e comportamento. Depois de um acidente, logo após a construção, quando uma gárgula caiu sobre uma pessoa que passava na rua, levando-a a morte, todas foram removidas e refeitas no século XIX.
Os telhados da Borgonha.

Montagem de duas fotos dos telhados coloridos da Borgonha, Um deles com uma escultura de gato e uma coruja sobre a casa.
O material poroso usado na fabricação das telhas, na Idade Média, era acrescido de produto químico e levado ao forno. Após esse processo passavam um esmalte colorido para proteger a telha, dando à ela este efeito de mosaico. Este é um telhado que pode ser encontrado em outras regiões e países. O que caracteriza os de Borgonha são as cores e os motivos. A imponência de cada um era como um símbolo de prestígio do proprietário do edifício. Também é comum ver nos telhados figuras de animais. Ter a coruja ou gato no alto da casa, era garantia de vigília e proteção.

 Culinária bourgognne
Montagem de 4 fotos com o restaurante, a praça do carrossel, o prato com o "coq ao vin"e o cardápio do restaurante.

Caminhar pela rua principal, a La Liberté, é quase que obrigatório. Passando o Portal Guilhaume, um antigo portal de proteção da cidade, ela está a sua frente e é também o marco inicial do Caminho da Coruja.
Nesta rua, por todos os lados há oferta de lojas e restaurantes. Por indicação do guia William Mendes, na praça, onde cintilam as luzes de um carrossel , reina também a gastronomia bourgognne. Do cardápio, no restaurante de construção medieval, escolhi o tradicional "Coq ao vin".

 Kir Royale
Montagem com duas fotos: o garçon fazendo o drink Kir Royale e eu com o copo na mão. O drink tem cor vinho.
Em se tratando de Dijon e os amantes de drinks e champagne sair de lá sem um brinde com Kir Royale constitui-se em um pecado sem perdão. Este é um tradicional coquetel a base de licor de Cassis e champagne. Entre meio a outras conversas, mais uma vez William - @vetwillmendes - conhecedor da região e hábitos bourgognne, disparou outra dica a servir: 1 dose de cassis, água tônica e gelo. Vale a pena experimentar.

 Mostardaria  Edmond Fallot
Fachada da Mostardaria Fallot

Uma cidade pequena para os padrões brasileiros, mas de porte médio para as dimensões da França, há muito para se fazer na Dijon de 160m mil habitantes. Entre os lugares mais comentados está a famosa mostardaria Fallot. Fundada em 1840, é a última mostardaria artesanal e 100% bourguinonne, por ser feita com grãos cultivados exclusivamente na Borgonha. Hoje, uma grande quantidade deles é originário do Canadá.

 Senhor Darcy
Fachada noturna do cine Le Darcy
Entre os pontos que não fogem do roteiro turístico está o Jardim Darcy. Esse é um homem a quem se referem apenas como o "Senhor Darcy", detentor também nome dado ao cinema e teatro da cidade. Darcy era um engenheiro, fez da cidade de Dijon, a primeira da França, a ter água potável, após a epidemia de cólera, no século XIX. Por sua influência, tornou obrigatória a passagem do trem por Dijon, o que permitiu um desenvolvimento econômico e demográfico importante.

 Urso branco
Foto tirada por dentro do vidro para o jardim do hotel. Ao fundo a escultura do urso branco.

 A figura do urso branco usado em jardins é dedicada a Francoise Pompom. Ele tinha o hábito de fazer pequenas escultura de animais, até um amigo lhe dizer que tal beleza merecia ser feita em tamanhos maiores. Quando ele morreu, a cidade fez disso também um símbolo e os artistas esculpiram em tamanhos maiores, sendo que o original está em Paris.

 Rua Stéfen Liégard.
Placa da rua Stéfen Liégard

Stéphen François Emile Liégeard, foi advogado, deputado, escritor e poeta francês. Segundo a guia, ele ao se deparar com o azul do mar da Rivieira Francesa chamou-a de “Côter dÁzur”. Uma referência comparativa a Côter-d'Or _costa do ouro_ na Borgogne. Nome atribuído a cor do solo dessa região.

Dijon, uma cidade a ser conhecida à pé.


Praça da Libertação - Uma praça de bares e restaurantes com chafariz retangular ao centro.

Praça do Carrossel com a data de 1900
Rua central de pedestres e bares
Prédio histórico dos Telégrafos
Sábado, no Mercado Público, é dia de brunch
Restaurante do Museu de Belas Artes, o Palácio dos Duques
Vista panorâmica da cidade de Dijon.


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O Institut Lumiére em Lyon, na França 

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Institut Lumière em Lyon, na França.


Entrada do portão principal com foto da cena do filme com a inscrição indicativa do Institut Lumière - Hangar du Premier Film Cinéma. Eu apareço na foto.
Lyon é a capital do cinema. Embora não seja detentora deste título, bem que poderia, pois foi nesta cidade da França que o cinema começou, assim como o vemos hoje. 

O grande marco devemos aos irmãos August e Louis Lumière que inventaram o cinematógrafo, e com isto fizeram a primeira exibição pública de uma imagem em movimento. Os dois nasceram em Lyon e as memórias desta trajetória estão registradas no Institut Lumière. 

 Vídeo do filme La Sortie - YouTube

Como resultado do aprendizado deste assunto, estudado na matéria de Cinema da Faculdade de Jornalismo, estando na cidade de Lyon, fui conhecer o museu. A montagem fotográfica feita na transparência do portão, onde foi produzida a primeira cena do filme La Sortie Fábricas de luz, pelos irmãos Lumière, para mim, foi a tradução do conceito de "experiência estética".

Criado em 1982, numa casa de arquitetura “art nouveau/art deco”, construída entre 1899 e 1901, onde a família morava, o museu foi criado para preservação do patrimônio cinematográfico. Tudo está lá: filmes, livros, fotos, cartazes, equipamentos de cinema, com apresentações interativas, exibição de trechos de filmes. 

A entrada, pela porta principal de estrutura gigantesca e escadas de granito, dá acesso à recepção. Sobre o piso cerâmico, que se confunde com uma tapeçaria esticada no chão, a escada de madeira para o mezanino impressionam pela beleza. As salas são dividas por portas com vistas esculpidas em madeira. Estas só não são mais imponentes do que as esculturas que sobre elas se escoram.

Os filhos de Antoine Lumière, fotógrafo e fabricante de películas fotográficas, também eram colaboradores do pai na fábrica Lumière. E lá, neste cenário, foi feito o primeiro filme. A fábrica era a maior produtora de chapas fotográficas da Europa, na época. 

Nos jardins da antiga residência, hoje museu, está instalado um cinema “O Hangar”. Na construção de 4 andares e 21 salas é oferecido cursos científicos e histórico sobre a invenção do cinematógrafo de Louis Lumière. 

Em homenagem ao fato, anualmente, durante o mês de Outubro, se realiza na cidade o Festival Lumière. Um evento que leva à cidade os mais famosos nomes do cinema mundial.

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Portão onde foi filmado a saída dos empregados da fábrica e a foto da cena.
O cinematógrafo protegido por uma caixa de vidro em formato redondo
Escadaria em granito de cor clara e porta de madeira escura na entrada do museu. Eu apareço entrado na porta
Escada de madeira entalhada e vista do mezanino na recepção do museu.
Entrada lateral com foto na parede dos irmãos Lumière.
Piso decorada da recepção em tons de bege e cinza
Painel com cena de filme em preto e branco com pessoas na rua, os prédios e carroça.
Sala interna com lareira de tom claro, fotos nas paredes pintadas de cor salmão em contraste com as portas na cor verde musgo.
Projetor Lumière de 75 mm
Sala com porta de vidro estampada a cena da saída dos empregados da fábrica e de cada lado uma tela com pintura/retrado individual dos irmãos August e Louis Lumière. Eu apareço no centro da foto.
O SuperLinda na sala de janelas de vidro com vista para o jardim da casa dos irmãos Lumière.
Ingresso de acesso ao Museu com divulgação do Festival que se realiza em outubro.
Ingresso de acesso ao museu com o registro da data e hora da visita: 18/09/2019
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quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Mãe de campeã, campeã é.


Fernanda com Gabriella e Manuella sentadas no chão  calçadas com patins
Como uma atleta chega a ser campeã mundial de patinação se não tiver uma supermãe? A resposta de Fernanda Gomes Pereira Giraldi a essa pergunta é precisa: "Não chega". Mãe de Gabriella Pereira Giraldi, primeira brasileira a obter o título de campeã mundial de patinação artística, Fernanda começou a se envolver com os patins na década de 1990, quando estudava e treinava no Colégio Bom Jesus. Na época, com apenas 11 anos, ela queria muito aprender a andar de costas igual às meninas que via treinando na pista. 

O pai, embora não enxergasse futuro na atividade, acabou cedendo diante dos insistentes pedidos da menina. O que ele não imaginava, nem mesmo Fernanda, é até onde essa brincadeira de criança chegaria."Quando aprendi a andar de costas, quis aprender a andar de costas cruzado", acrescenta se referindo a outro elemento da patinação.

Com a prática e os treinos, veio também a vontade de participar das competições. Entretanto, por mais que o pai de Fernanda quisesse atender os desejos da garota, os tempos eram difíceis e faltavam recursos para pagar mensalidades e gastos com o esporte. Inconformada, Fernanda falou com a professora Junelara Casagrande, explicou que não podia mais frequentar as aulas e, portanto, não poderia competir. "Como é que a gente pode fazer?”, indagou a menina. Junelara então sugeriu que Fernanda a ajudasse, dando aulas para as crianças menores. “Dessa forma eu pagava e fazia meus treinamentos", conta.

E como a vida é uma escritora caprichosa de seus roteiros, começava ali, de forma totalmente despretensiosa, a carreira de treinadora na qual se transformou Fernanda. Como patinadora, ela até chegou a competir em nível nacional, mas reconhece que nunca foi um destaque: "Patinava bem, não passava vergonha, mas nunca fui uma graaaaande patinadora", explica.
Fernanda quando jovem vestida com collant em tons de laranja e usando patins

Disposta a driblar qualquer obstáculo, a jovem Fernanda pedia ajuda para as mães das colegas lhe ensinarem a bordar o collant. Ela desenhava os modelos e, depois de aprovado pela professora, confeccionava. "Meu pai me levava na costureira e depois a Elzinete, mãe de uma amiga minha, me ajudava a bordar", recorda. Até essa particularidade faz de Fernanda uma mãe campeã. A habilidade que desenvolveu para criar e bordar os collants hoje é mais um apoio à filha Gabriella. No Campeonato Mundial, a jovem usou a roupa bordada com carinho pela mãe. "A diferença é que, antigamente, eu bordava com canutilho, miçangas, lantejoulas, hoje fazemos com cristais Swarovski", afirma.


Entre a advocacia e os patins


E assim, de forma amadora e do jeito que dava, Fernanda levou seus treinos enquanto conseguiu.  Tudo era muito difícil, não havia quadra para treinar nem incentivo para o esporte. A necessidade de abraçar uma profissão formal levou Fernanda a estudar Direito. Durante algum tempo ainda conseguiu conciliar os estudos com os treinos, mas, sem perspectiva de um futuro promissor, precisou deixar de lado os patins para se dedicar à faculdade e aos estágios. "No ano em que me formei, a patinação acabou completamente em Joinville", lembra Fernanda com ar de desânimo, como se falar do assunto a fizesse reviver aqueles dias. 

Nesse período, Fernanda casou com André Luis Becker Giraldi e teve duas filhas: Gabriella, hoje com 18 anos, e Manuella (12), que também já é patinadora e campeã Sul-Americana de quarteto e grupo de show. "Quando a Gabi fez 5 anos, dei-lhe de presente um par de patins. Ela ficava patinando no corredor da casa onde morávamos", conta. Por gosto, instinto e com a experiência adquirida nas aulas que deu para crianças, Fernanda ia dando instruções para a filha:  “Faz isso... faz aquilo..." 

O presente, segundo Fernanda, foi dado como um brinquedo qualquer e não como uma projeção de futuro, mas confessa que qualidade dos patins que deu à filha era bem superior ao que ela própria recebeu do pai quando iniciou os treinos.

Observando o gosto que Gabriella passou a demonstrar pelo esporte, Fernanda foi ao Colégio Oficina, onde a menina estudava, e perguntou se era possível alugar a quadra para ensinar a filha a patinar. "A diretora Marcia Poletti propôs, já que conhecia minha história com a patinação, que eu também ensinasse a filha dela de 9 anos.”  


Nasce uma treinadora

   A volta de Fernanda às atividades da patinação também marcou o início da trajetória da campeã Gabriella. "Comecei a dar aula e logo foram aparecendo outras meninas querendo aprender. No primeiro mês eu já tinha 20 alunas", observa. Nessa época, então como treinadora de patinação, passou a montar coreografias para apresentações com as crianças. Isso foi em 2007. Ao mesmo tempo que advogava o dia inteiro no escritório do pai.

Com o incentivo do marido, Fernanda conseguiu, em 2009, um espaço para dar aulas na academia Casebre. "Era um local mais central e, com o aumento na quantidade de alunos, fui obrigada a diminuir a atividade na advocacia". Não foi uma escolha fácil, afinal Fernanda já amava também o Direito. "Eu não tinha mais condições de sustentar as duas atividades, era cansativo, desgastante e, nessa época, eu já tinha a Manuella que era pequena", conta.

Tudo parecia apontar para o novo período que se iniciava. “Até meu pai, que sempre quis que eu parasse de patinar, sentou comigo e disse que estava na hora de fazer a opção".

As experiências seguintes mostrariam que Direito e Patinação voltariam a se encontrar. Em 2012, quando Fernanda assumiu a presidência da Federação Catarinense de Patinação, pode aproveitar o conhecimento acadêmico para regularizar contratos e a parte jurídica da Federação. Novamente, como de costume, ela contou com a ajuda de seu pai.


Amor de mãe a serviço da patinação catarinense


Quem vê Fernanda Gomes Pereira Giraldi administrando seu próprio espaço exclusivo para patinação - a Equilibri – e orgulhosa das conquistas das filhas Gabriella (campeã mundial de patinação artística) e Manuella (campeã sul-americana de quarteto e grupo de show) não imagina os obstáculos que teve de enfrentar ao longo da vida para manter vivo o amor pelo esporte. Encontrar locais para a prática e ensino da patinação não é tarefa fácil em um país onde a prioridade costuma ser o futebol.

Se na infância ela teve o apoio do pai, como treinadora o incentivo veio do marido André. Bailarino de jazz, André integrou o Grupo Raça, de Roseli Rodrigues, em São Paulo, mas também precisou largar essa atividade para ter um emprego convencional. Atualmente, é ele quem cuida de toda a parte administrativa e comercial da escola. O ambiente é aberto para atividades multidisciplinares esportivas e artísticas, mas o foco principal é a patinação.

Também coube a André ficar com a filha menor em casa, ainda pequenina, para que Fernanda acompanhasse Gabriella em cursos e competições que surgiam. “Às vezes passávamos até 15 dias fora e ele só dizia: ‘vai sim...vai que eu seguro a onda’”. 

O crescimento de Fernanda como técnica também se deu pela necessidade de auxiliar a filha Gabriella no esporte, diante do desempenho obtido. Há uma grande diferença entre a Fernanda patinadora, a Fernanda mãe e a Fernanda técnica, embora uma tenha evoluído com a outra. "Quando eu parei de patinar, eu já dava aulas, mas as dificuldades para a prática da profissão mais uma vez interferiram no meu crescimento profissional como treinadora, por isso me dediquei ao Direito na época”, lembra. "A advocacia sim era considerada uma profissão”, desabafa.

Diferente da mãe, a campeã Gabi teve todas as oportunidades para se dedicar ao esporte, fazer cursos e participar de competições. “Na minha época não tínhamos nem federação nem reconhecimento da importância da patinação", conta Fernanda.  

A paixão pelo esporte predileto não se esvaiu com o tempo. "Quando coloco os patins e saio andando por esta sala, o mundo para. Coloco uma música e eu não quero pensar em outra coisa", confessa. "O mesmo acontece com a Gabi”, declara.
Fernanda, André e Gabriela de collant vermelho, ainda criança, na primeira premiação

Assim que percebeu o interesse de Gabriella pelos patins, Fernanda e o marido não pouparam esforços para incentivar a menina. "Não se trata de compensar uma frustração por eu não ter conseguido chegar onde a Gabi chegou, mas sim de proporcionar a ela oportunidades", justifica.


Renunciar é preciso


Assim como a mãe, Gabriella nunca reclamava de treinar aos sábados. Trocava festas de aniversários por treinos e competições, incluindo a troca de presentes pelos gastos decorrentes de cursos ou equipamentos. São renúncias que ela faz desde o início da sua trajetória. Sempre abdicou de festas da família, até mesmo do aniversário do pai - que é no início de janeiro - período em que se concentra a maior quantidade de treinos. "Isso acontece desde que ela tinha mais ou menos uns 10 anos", confirma Fernanda.

Esses sacrifícios em nome do esporte acabaram afetando toda a família.  O casal que está junto há 23 anos, entre namoro e casamento, fez a primeira viagem junto, este ano, para Barcelona e, ainda assim, o motivo foi a disputa do Mundial. Definitivamente, a patinação é o fator motivacional que movimenta toda a família.

Há um ano, quando a jovem Gabriella classificou-se para o Campeonato Mundial, André colocou como um propósito ver a filha se tornar campeã. Na França, no ano passado, e em tantas outras competições sempre era a mãe quem viajava com Gabriella, até por questões de economia. No Brasil, os cursos concentram-se na cidade de Santos-SP. "É o lugar de referência da patinação no Brasil, onde está Kadu Paiva, treinador da seleção brasileira", informa Fernanda. Kadu tornou-se amigo pessoal da família.

Como a patinação não é um esporte olímpico, não há patrocinador. Todos os treinos de Gabi no exterior - condição indispensável para uma atleta se tornar campeã - foram custeados pela família, o que também inclui avós paternos e maternos, tios, padrinhos, amigos. Todos se juntavam e contribuíam com dinheiro, cada um dentro das suas possibilidades, para pagar as passagens, a estadia e os treinos.

Não existe na lista de prioridades da vida de Fernanda nada que ela possa lamentar não ter feito por priorizar a carreira de Gabriella. "Tudo valeu a pena, mesmo que ela não tivesse alcançado esse título", garante.


Trajetória de sucesso


Em 2009, Gabriella já era campeã catarinense e desde 2012 integra a seleção brasileira. Mesmo sendo a primeira técnica da filha, Fernanda reconhece que outras treinadoras estão a sua frente e destaca o trabalho de Gleice Cani. "É a técnica do coração da Gabi e atualmente sua psicóloga esportiva." 
Gabriela com collant em tons de azul no dia da competição que a sagrou Campeã  Mundial de patinação de 2019.

Embora amigos técnicos e patinadores sempre tivessem previsto que Gabriella seria campeã, Fernanda enxergava tal destaque como um sonho distante da realidade da família. Até mesmo às vésperas do Mundial, quando André dizia entusiasmado que ia a Barcelona ver a filha se tornar campeã, Fernanda preferia a cautela e pedia para o marido controlar a empolgação. “Na verdade, eu usava essa negativa como uma forma de me proteger e proteger minha filha do medo de uma decepção”, reconhece.

Quando Gabriella precisou passar um tempo em Portugal para se preparar para o mundial, o coração de mãe de Fernanda ficou apertado. Sabia da importância desses treinos, mas, ao mesmo tempo, temia o longo tempo de permanência da filha no exterior. "Já o André não teve a menor dúvida em dizer que nós tínhamos que permitir e que ela não podia perder essa oportunidade", conta a mãe. Ainda assim, Fernanda chorou muito durante a ausência de Gabi.

Certamente não há a menor dúvida de que a mudança para Portugal e o trabalho feito com os treinadores Fernanda Ferreira e Hugo Chapouto foram determinantes para a conquista do título. Chapouto já tinha feito outros campeões mundiais, mas nunca uma mulher", afirma Fernanda.  Da mesma forma, foi importante a contribuição da treinadora Fernanda Ferreira, brasileira que reside em Portugal e trabalha com o técnico português há dois anos.

Itália, Portugal e Espanha têm tradição como berços de campeões de patinação. Porém, com a mudança nos critérios de avaliação do sistema "rollart", a competição ficou mais justa e transparente. Além da parte técnica, os avaliadores levam em consideração os componentes artísticos. “O atleta é avaliado pelo que executou e não mais de forma comparativa, como no sistema anterior", explica Fernanda. 

Além de ser a primeira brasileira a ganhar o título de Campeã Mundial, Gabriella também foi a primeira a ganhar com esse novo sistema de avaliação. O Brasil já vem adotando o “rollart” há aproximadamente três anos.  

Como mãe e técnica, Fernanda aponta e reconhece todas as dificuldades para uma atleta de patinação. "É um esporte de elite, os equipamentos, as rodinhas dos patins, que são trocadas a cada três meses, assim como as roupas, é tudo muito caro". Quando os pais começam a se deparar com esses custos, além das aulas, despesas de estadia e de viagens para cursos e competições, muitos desistem.

Fernanda tem 20 atletas que já participam de competições e vê bom potencial em outras crianças. Em relação às filhas, o trabalho continua o mesmo, repleto de atenção e empenho. Sabe que o caminho de Gabriella está só começando e que Manuella deverá trilhar os passos da irmã. Hoje Fernanda se sente mais segura, tem mais conhecimento acumulado. "Nessa caminhada, tudo valeu, inclusive as experiências negativas. Com os erros eu também aprendi", afirma. 

Os projetos de futuro permanecem. Gabriella, agora com 18 anos, passou, para a categoria "sênior" na qual o nível de exigência na execução é maior, requer ainda mais perfeição. Nessa categoria, os atletas entram com 18 anos, mas não há limite para parar. "Então ela vai começar a competir com atletas experientes que já estão ali há cerca de 10 anos. Este será seu grande desafio”, prevê a mãe. 

Após a conquista do Mundial, mãe e filha continuam os treinamentos juntas. Elas gravam vídeos, Fernanda aponta os problemas e a campeã absorve o que a mãe diz. Da mesma forma, os técnicos de Portugal orientam a distância, observando os vídeos. Quanto à Manuella, a intenção é dar-lhe todas as oportunidades possíveis. Reconhece que a filha menor só agora está realmente despertando para os treinos. "Mas, justamente por ter pouco tempo de treinamento e já ter se tornado campeã sul-americana, é sinal de que tem talento." 
Fernanda, André e Manuella com collant em tons pink quando se tornou Campeã Sul Americana.

Desde que está à frente da Federação, Fernanda promove cursos e, com isso, sente-se criando chances não só para as suas filhas, mas para todas as crianças que se interessam pelo esporte. Quando ela entrou para a Federação existiam 8 clubes filiados, hoje são 26 e há aproximadamente 60 escolas em Santa Catarina. Lá se vão 13 anos de luta pelo esporte e agora, com uma campeã mundial em casa, Fernanda se sente ainda mais motivada a tornar a patinação um sonho possível de ser realizado. 




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Texto publicado originalmente na Revi Digital - Revista da Faculdade de Jornalismo Ielusc  

http://revidigital.com.br/campea-mundial-de-patinacao-herda-da-mae-a-paixao-pelo-esporte/
http://revidigital.com.br/amor-de-mae-a-servico-da-patinacao-catarinense/