terça-feira, 29 de setembro de 2020

O deficiente visual e a acessibilidade aos aplicativos de celular



O Bom Dia Brasil, no último dia 22, apresentou uma reportagem sobre a quantidade de aplicativos de celulares sem recursos de acesso para o deficiente visual. Na introdução, o jornalista Rodrigo Boccardi diz: "...é...às vezes passa por uma 'distração'. Nem sempre quem desenvolve o produto para pra pensar na acessibilidade".  

O uso da palavra "distração" parece mais uma distração sobre a importância do assunto e não só por parte  dos desenvolvedores.  O problema amenizado pelo jornalista não é o que está representado nos números apontados pela reportagem, muito menos na realidade dos deficientes visuais. A pesquisa avaliou 2.068 aplicativos e apenas 4 deles tinham as ferramentas necessárias. Isto não é distração, é descompromisso com a acessibilidade.

Na reportagem, Alberto Pereira, Presidente da Associação da Organização Nacional de Cegos do Brasil, fala da importância desses mecanismos para o acesso à leitura, à educação e ao ensino. "O cego, como qualquer pessoa, poderia pedir comida, identificar endereço, fazer transações bancárias, tudo pelos aplicativos", e exemplifica que num site de compra se o botão de Finalizar Compra não estiver rotulado a tecnologia disponível vai apenas avisar ao usuário que ali existe um botão sem esclarecer para que serve.

Essas mesmas dificuldades são relatadas por Adria Santos, atleta paralímpica, no áudio acima. Ela revelou também que "pouco usa o Instagram por ser uma rede social muito visual". Embora o aplicativo tenha o chamado texto alternativo, para esta função, ele é pouco utilizado pelos usuários. Exceção feita, em rápida observação, ao perfil da cantora Ivete Sangalo e a empresa de calçados Kolosh. Estes dois nunca deixam de usar a #PraCegoVer ou #PraTodosVerem. 

A falta de acessibilidade ao deficiente visual é inadmissível nos dias de hoje. Desde 2013, o blog SuperLinda faz um trabalho de divulgação da necessidade em legendar fotos, resultado de um encontro com Adria. Depois de 8 anos, exibindo o link - Seu blog dá acesso ao deficiente visual?     em todas as postagens, não vejo grandes mudanças no comportamento de quem tem visão perfeita. 

As redes sociais estão repletas de movimento contra racismo, preconceito, diversidade, ativistas de todos os gêneros. "Todes" se preocupam até com a mudança da língua portuguesa. Escrever "alunes", "amigues" tornou-se prioridade. Porém, não se preocupam em colocar uma simples legenda descritiva das suas fotos para os deficientes visuais.

Ainda sobre a reportagem inicial, outra questão levantada foi uma reflexão sobre a quantidade de aplicativos que usamos hoje e como seria se não pudéssemos acessá-los. Esta é a realidade que o cego vive diariamente. Reflita. Coloque uma venda nos olhos e tente acessar as redes sociais. Acessibilidade é responsabilidade de todos. 

 

Legenda de foto para acesso do deficiente visual. Montagem de foto, colagem de print da tela do Instagram e áudio de Ádria Santos.  Arte de Leticia Rieper.

- Seu blog dá acesso ao deficiente visual?   

 

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Setembro chegou e com ele seis meses de pandemia - Parte 2

 


O emocional em pandemia.

O tempo bom continuava zoando com a nossa cara. As semanas passavam e com elas os fins de semana sem poder ir para rua. Não lembro de ter vivido uma sequência tão longa de dias de sol, próprios para a praia, quanto naqueles meses de março e abril de 2020. Foi um período de alertas de economia de água dada a escassez por falta de chuva. Algo inusitado para uma cidade como Joinville, onde o tempo chuvoso predomina. A estiagem parecia querer nos lembrar de que não deveríamos reclamar tanto dos dias de chuva.

Sem falar das encantadoras noites estreladas. Estudos sobre o meio ambiente e condições climáticas mostravam que a redução do trânsito de veículos baixaram os índices da poluição do ar e com isto o céu exibia a sua magnitude estelar. Em tempo em que olhamos mais para o celular do que para o céu, passamos a dar importância em procurar as tais "estrelas que riem", segundo o Pequeno Príncipe.

Passados os primeiros dias de isolamento, quando achávamos que seriam os únicos, me dei conta de que não havia sido contaminada. Cumpri o protocolo de ficar dentro de casa, sem contato com o mundo externo. O sentimento que deveria ser de alívio me causou pânico. Era uma contradição, mas real. Eu estava salva e com o mundo inteiro em pandemia, sair à rua significava me contaminar. Senti verdadeira paúra. Chorei de medo diante desse pensamento. Mais do que nunca deveria me preservar. A euforia acabou, a motivação para ficar em casa se foi e a esperança pela retomada da normalidade também.

Por sorte, naquela manhã conversei, por telefone, com um médico geriatra, amigo de Curitiba. "Estou me sentindo muito mal", disse enquanto relatava o que sentia, e ele me incentivou a sair e dar uma caminhada na quadra, tomar sol. "Vai ser mais difícil curar você de depressão do que do coronavírus", afirmou enquanto conversava sobre outros assuntos para desviar a minha atenção.

Naquele dia tudo parecia corroborar para agravar o meu estado emocional. Foi divulgada a notícia da morte, em Joinville, de um empresário de 68 anos. Embora não o conhecesse, sabia quem era e a associação da idade dele com a minha foi desastrosa. Pior ainda, saber do internamento na UTI, em estado grave, de um amigo dos meus filhos. Foi aterrorizante. A pandemia estava muito mais perto de nós do que imaginávamos. Daí cadê coragem para sair na rua mesmo que por recomendação do amigo médico. 

Com os filhos Vinícius e Bernardo falava todos os dias. Fiquei mais preocupada com o Bernardo, que por ser médico veterinário mantinha o trabalho e contato com as pessoas na clínica. Enquanto o Vinícius continuava com as suas atividades de dentro de casa. Com a sensibilidade à flor da pele, naquele dia, não tive coragem de telefonar e só mandei mensagem. Sabia que iria chorar e deixá-los preocupados. Passado algum tempo a videoconferência foi a forma mais fácil de comunicação visual e de conversa. Do almoço do dias das mães não abrimos mão. Comemoramos em família.

Nesse meio tempo comecei a perceber que os piores dias, para mim, eram as segundas-feiras. Acordava chorona, abatida, desanimada. Mais uma semana iniciava e eu não podia sair, não podia fazer as atividades de trabalho, ou as atividades físicas diárias. Não conseguia, como ainda hoje, ter disposição para me exercitar com aulas online. Acordava por volta das 7h30 tentando manter uma rotina seguindo orientações dos médicos e psicólogos. Mas essa rotina de acordar e não ter o que fazer não era a minha e por isso era uma situação que tanto me abatia.

Mais do que nunca a interação com terapeutas passou a ser considerada como de primeira necessidade. Foi quando a minha terapeuta começou a me dar atendimento por telefone. E isso foi muito importante, eu estava realmente entrando em um processo de grande tristeza. Enquanto conversávamos eu chorava e como sempre ela me trazia à realidade. "Suas preocupações tem fundamento" dizia ela, "mas não podemos nos afundar".

Quando relatei o medo de sair de casa, ela me perguntou o que eu teria para fazer na rua que não pudesse ser adiado. Respondi: nada. "Então é uma possibilidade que você tem de ficar em casa, diferente de tantas pessoas que não podem e estão se arriscando".Ela me  acalmava.

Sobretudo, a tristeza do isolamento era a reclamação que mais se ouvia. O clima que pairava no ar era denso. Todos carentes da presença física dos filhos, dos netos, dos amigos. Começava a correr notícia de pessoas com síndrome do pânico. Recordo de ter falado com uma pessoa que me perguntou: "Que dia é hoje?". Isso me impactou.

As notícias chegam por vários canais.

O que mais alterava meu estado de ânimo era estar reclusa para evitar a disseminação do vírus e assistir de dentro de casa ele se alastrando por toda cidade, para não falar do mundo. Informações chegavam a mim e não só pelos noticiários. Uma prima, que mora na Espanha, outra nos EUA, amiga da Alemanha, todas relatavam a pessimista realidade que estavam vivendo por lá. Um horror.

A orientação do psiquiatra Primo Paganini, em entrevista a CNN, naquele momento, me pareceu razoável: "Não levem as preocupações para daqui a 1 ou 2 meses, concentrem-se no hoje, no máximo amanhã". Ele se referia ao tempo, e eu decidi limitar também ao espaço da minha casa, minha família e não levar nossas preocupações para muito longe de nós. Um, dois meses, naqueles início já era uma previsão de futuro muito grande. Ninguém podia imaginar em cinco ou seis meses como estamos até hoje.

Nessa época, já estava me sentindo enganada, e hoje resta a comprovação. Foi muito dinheiro desperdiçado, usado indevidamente e para corrupção. As orientações eram para que deixássemos de assistir aos noticiários. Nossa atenção, passou a se concentrar nos boletins oficiais gerido pelo então Ministro Luiz Henrique Mandetta. A diferença entre as notícias e os informativos, não sei. Um era mais aterrorizante do que o outro, mas acreditávamos em Mandetta, que no decorrer da pandemia, tornou-se uma grande decepção.

Mudança de comportamento.

Foi um período em que fiz uma campanha para que conversássemos mais por telefone do que por troca de mensagens de WhatsApp. Reconheço que não obtive a adesão que pretendia. O hábito de teclar está mais enraizado nas pessoas do que elas imaginam. Mandar figurinha tornou-se mais eficaz e rápido. Um só emoji diz mais do que muitas palavras. Mesmo assim com algumas pessoas eu utilizei mais o telefone ao contrário de mandar mensagem.

Foi com um telefonema que a história da Hildinha, uma amiga de 78 anos,  não poderia ser resolvida se tivesse ocorrido por mensagem. Aliás, um recurso que ela não se habitua a usar.

Como tantas outras vezes, passamos horas ao telefone e ela me contou, muito incomodada, que não conseguia entender como uma caixa de fósforo apareceu em cima da mesa da cozinha. "Ninguém entrou aqui em casa, eu não uso fósforo para nada, como isso veio parar aqui" e completou: "Estou muito 'aperreada' com isso" disse ela com o seu forte sotaque nordestino.

Meu conselho foi para que ela jogasse a caixa no lixo imediatamente. Porém, inconformada, sem uma explicação plausível e resistente a minha recomendação, disse que "não, até descobrir como aquilo foi parar na mesa". Estamos num processo de confinamento, se jovens estão confusos, imagina os idosos. Não desacredito em nada do que a minha amiga contou, porque sei que ela é 100% lúcida. Mas confusão mental qualquer pessoa pode ter.

Na dúvida, entre se ela se confundiu, se foi abduzida dentro de alguma crença espiritual, se brincadeira ou não, fiquei preocupada e dei outra opção. Pedi que tirasse todos os palitos de dentro da caixa e colocasse dentro de um copo com água. "A caixa vazia", continuei "deixe no mesmo lugar em que você a encontrou, assim você continua o trabalho mental de procurar a explicação que procura". Ela assentiu, mas até hoje não sabe o que aconteceu.

Na continuidade o distanciamento foi perdendo o seu rigor. Mesmo aquelas pessoas que se mantinham distantes das academias, dos restaurantes, e do convívio com amigos, passaram a ter contato pessoal com a família. Muito antes disso, contrariando as orientações, passei a visitar amigos que sabia estavam se cuidando tanto quanto eu. Em busca de espaço para me movimentar aceitei o convite do Ricardo e passei a ir para a fazenda. Lá eu tinha com quem conversar, lugar para grandes caminhadas e boa companhia.

O que estava ruim para nós, ficou pior quando, por decreto, o prefeito de Joinville voltou a determinar algo como um lockdown para o idoso. A proibição de frequentar qualquer espaço público veio com o Decreto 38.520/2020 e provocou muitas manifestações de desagrado. "A saída que que temos é agir na clandestinidade": dizíamos tentando manter o bom humor e nos encontrando, em grupos de no máximo três pessoas, nas nossas casas.

Mais tempo longe das atividades rotineiras e com alguns quilos a mais, segui o conselho de uma amiga e deixei de lado as confortáveis calças largas e as do tipo legging usadas no dia a dia. Ela, cumprindo expediente em home office, confessou: "Mesmo dentro de casa só uso calça jeans. Elas me deixam em estado de alerta sobre o meu peso." Dito e feito. Foi uma grande mudança, inclusive sobre o meu emocional. Andar desarrumada não faz parte da minha rotina.

Lives, a alegria do povo

Ah! Como elas foram importantes. Verdadeiras companheiras dos fins de semana. Começaram mansas e despretenciosas e se tornaram mega eventos. O único objetivo era arrecadar fundos aos necessitados da pandemia. Para isso bastava, um violão e um microfone, no máximo uma mesa de som. Aos poucos se transformaram em shows grandiosos capaz de suprir o ganho dos músicos, da equipe técnica e mais do que qualquer coisa, em cachês milionários para os artistas.

As primeiras das quais tenho lembrança foram as do Bruno & Marroni e Gusttavo Lima. Realizadas, ao estilo fundo de quintal, na churrasqueira a beira da piscina de suas belas moradias. Sem maiores cuidados, se apresentavam de bermuda e chinelo e verdadeiramente se sentindo em casa, beberam muito e por isso receberam duras críticas diante de tal comportamento.

Após este infortúnio, ajustada a proibição de ingestão de álcool durante as apresentações, os grandes nomes de empresas de bebidas, entraram firme no patrocínio e se adonaram dos cenários sobre o palco, como moldura para os artistas. Assim começou um grande desfile de importantes nomes da música brasileira a cantar para cada um público sentado no sofá da sala.

Em casa, de verdade, assistimos Sandy & Junior, Os Menotti, Marília Mendonça, Fafá de Belém, Ivete Sangalo. A medida que nomes famosos se organizavam para as suas lives, outros iam anunciando eventos futuros, em dias e hora diferentes de forma que uma não atrapalhasse a outra. A primeira grande live, estruturada como um evento foi a dos Amigos: Xitãozinho e Xororó, Leonardo, Zezé Di Camargo e Luciano. Lembro até, da situação de constrangimento de Xororó diante das palavras descontraídas e alguns palavrões do irreverente Leonardo.

O que não faltou nessas lives, no papel de acompanhante, foi o vinho, o espumante, o gim e a cerveja. Muita cerveja, para a alegria das lojas de conveniência e entrega de delivery. Bebemos muito. comemos muito e engordamos muito. Toda uma alegria convertida depois em problema. Muitas vezes tive uma espécie de ressaca moral. Coisa mais degradante beber sozinha. A euforia inicial era boa a conscientização no dia seguinte, não.

Uma vez que eu acompanhava a programação das lives, enviadas pela minha sobrinha Taís, tratava de repassar para os grupos de amigas. Lembro de certa vez, ao fazer a indicação da apresentação de Sérgio Reis, e em outra ocasião a de Diogo Nogueira, ambos enchendo de alegria os nossos solitários almoços de domingo, ter ouvido de uma amiga: "Minha mãe disse que não sabe o que seria dela sem as indicações das lives que a "Quel" faz". O comentário nos fez rir, afinal é ela quem cuida da mãe dia e noite, mas sou eu que a salvo.              

Impossível enumerar todas as lives. Algumas aconteciam pelo YouTube, outras pelo Instagram, Facebook. Houve uma explosão de transmissões ao vivo sem precedentes. Quem poderia imaginar que um dia iríamos assistir shows ao vivo sem pagar ingresso. Inspirado nos cantores outras aconteceram e não só de música, foi uma derrame de palestras, aulas, compra e venda, consultas médicas, reuniões governamentais, empresariais. A pandemia fez o mundo se transformar em realidade virtual.

Legenda de foto para acesso do deficiente visual. Montagem de foto com calendários de março a setembro, relógios e eu representando o blog olhando para as imagens com o sentido de ver o tempo passando. Cor predominante: roxa. Arte de Leticia Rieper.

- Seu blog dá acesso ao deficiente visual?   


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

OUM KALTHOUM CAFÉ


Oum Kalthoum (1898-1975) foi uma cantora, compositora e atriz egípcia, conhecida como a Estrela do Oriente. Mais de três décadas após sua morte, ainda é considerada uma das cantoras mais famosas e ilustres da história da música árabe do século XX.

As fotos foram feitas em um bar que leva o seu nome, no centro da cidade de Luxor. Como em todos os bares e restaurantes do Egito, no Oum Kalthoum só é servido chá, uma bebida tradicional e mais apreciada do que o café

Por outro lado, quebrando as tradições, é um dos poucos lugares públicos que aceita mulheres fumando. Esta não é uma prática comum no naquele país. A visita foi feita em companhia do guia Ahmed Gamal El Din e servido um chá para dois.

 



Legenda de foto para acesso do deficiente visual. 1 - Foto de Oum Kalthoum em tamanho tomando quase que a parede inteira, rodeada de outras fotos de artistas e visitantes no bar. Há mesas para duas ou quatro pessoas e as cadeiras são na cor verde e azul. 2 - Foto de um mulher fumando narguile sentada na mesa encostada na parede. 3 - duas xícaras de chá com folhas de hortelã e o açucareiro sobre a mesa.

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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Decanter e encante



Parece uma jóia tamanha é a delicadeza da peça. Mas é somente um decanter. Colocado em uso sugere elegância ao naturalmente sofisticado ato de beber vinho. É o mesmo prazer com mais requinte.

Vinoglobe é o nome dele. Um decanter de vidro, feito à mão. Criado para ser colocado na garrafa é a forma mais prática de decantar e servir o vinho ao mesmo tempo. É possível derramar sem derramar e ter o seu vinho decantado copo a copo, sugere a descrição do produto. 

A compra se deu por indicação, elogiável, do guia William Mendes, quando da visita na Bouchard Ainé & Fils, em Baune, na França. Conhecer a cave, fundada em 1750, e fazer uma degustação de vinhos fazia parte da programação da viagem realizada em 2019.

Adequado para vinho tinto, vinho branco e rosado. Por sua facilidade de uso, seu tamanho pequeno torna-o ideal para uso em restaurantes ou em casa.


Copo de vinho gravado com o nome da cave.

Vídeo do site sobre o uso do decanter

 


Legenda de foto para acesso do deficiente visual. 1 - Montagem de foto com a imagem do decanter e o uso na garrafa. Sobre ela a ideia de vinho respingado. Escrito em vermelho e preto o título do post. Arte de Leticia Rieper. 2 - O decanter sobre uma toalha de pequena e a embalagem sobre a mesa. 3 - Caixa da embalagem com a instrução de como usar o produto. 4 - Quadro com o nome e fotos da cave localizada na entrada do portão de acesso. 5 - Copo gravado com o nome da cave.

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sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Setembro chegou e com ele seis meses de pandemia - Parte 1

 


Março de 2020
 
Data que marca o início, no Brasil, da maior quarentena vivida no mundo, e em todos os tempos, por conta da pandemia do coronavírus. Dias assustadores. As declarações das autoridades eram, ditas por eles mesmos, sem nenhum conhecimento científico. Qualquer relação que se fizesse com a Peste do Século XVII, a gripe espanhola em 1918, a gripe suína, a A1N1 parecia água potável escorrendo pelo ralo na opinião dos especialistas, historiadores, classe médica. Políticos? Nem se fala.
 
Para alguns mais para outros menos. Para mim são 180 dias, desde então, ou seis meses, de afastamento social. Este é um relato que faço a partir de anotações pessoais desde a primeira semana de pandemia. A ideia era escrever um diário, bem ao estilo "Meu querido diário" com uma única publicação quando tudo terminasse. Mas o tempo continua passando e esse tal momento parece não chegar.

Escrever foi uma forma de passar por todo esse período. Publicar pode servir de exemplo, consolo, identificação, sentimentos comuns ou não. É "textão" e o leitor não chegar ao final é um risco que sempre corro. A única certeza que tenho é a de que se eu me demorar muito em publicar, a probabilidade de achar pouco interessante os meus escritos e colocá-los no esquecimento é grande.

 

Assim começou

 

Fez-se um silêncio ensurdecedor na cidade. Só se ouvia um barulho constante: o das motos de delivery. Todas as pessoas ficaram dentro de casa e mesmo sem vê-las sabia que estavam, assim como eu, de olhos arregalados e assustados grudados na televisão e celular.
 
Do alto do 11º andar eu olhava a rua Otto Boehm, uma das vias mais movimentas da cidade, e ela estava completamente vazia. Ninguém ia para o trabalho, nenhum carro transportava crianças para a escola, ninguém caminhava fazendo exercício. As calçadas passaram a ser um espaço permitido apenas para os donos de cachorros. A estes sim, por conta dos seus animais, era permito andar na quadra para os pets fazerem suas necessidades. Justo.
 
Crianças, adultos e idosos. Todos, sem exceção, tinham de se trancafiar em casa. Entre os adultos, um deles, sempre o mais jovem, era escolhido para ir ao supermercado ou farmácia, se necessário. O medo tomava conta. Tive a impressão que algumas pessoas com quem cruzei por entre as gôndolas, no interior desses estabelecimentos, evitavam até de me olhar. A ordem era não chegar perto. Acho que faziam isso para evitar a aproximação e pensava comigo mesma que olhar e dizer bom dia não contaminava.
 
Na padaria em frente a minha casa a fila se formava na calçada. De olhos baixos para o celular, as pessoas entravam e saiam sem nem cumprimentar as atendentes. Falavam o necessário e num tom de voz baixo. O silêncio era absoluto. Os olhares não se cruzavam. Pareciam não querer serem notadas.
 
Voltar para casa, depois de qualquer tarefa, significava cumprir um ritual: tirar a roupa apressadamente e jogá-la na máquina de lavar. Na sequência, ir para o chuveiro tomar banho completo. Enquanto isso, outro membro da família lavava todos os produtos trazidos da rua antes de usar ou guardar no armário. Do que se lia nos grupos de WhatsApp, parecia haver uma concorrência amigável entre aqueles que contavam com mais orgulho, de si mesmo, sobre a dedicação com que cumpriam a missão.
 
Entre os mais aplicados havia quem, se bem apurado, confessaria que lavava até o que ia para o lixo. Um ato aplicado às sacolas de supermercado reaproveitadas na lixeira da pia ou do banheiro. Isso não escondiam e se vangloriavam enquanto relatavam coisas assim.
 
Houve também um certo descontrole e insegurança entre aqueles que por mais que as autoridades tivessem avisado de que não aconteceria desabastecimento queriam comprar todo o estoque disponível da loja. O serviço prestado pelas redes de supermercado passou a ser qualificado de acordo com a higienização dos carrinhos de compra, disponibilidade de álcool gel na entrada e controle da quantidade de pessoas no interior do estabelecimento.


Falsa euforia

Creio que a princípio todos achavam que realmente tudo aconteceria e se resolveria em 15 dias. Sem a menor noção de tudo o estava por acontecer, uma falsa euforia tomou conta de todos. Na primeira semana parecíamos de férias. Não ter hora para dormir ou acordar era uma oportunidade sem precedentes, autorizada pelos patrões, abonada pelo governo e atestada pelos médicos.

A sensação de ganhar uma folga extra estava consolidada em decretos. A excitação nos primeiros dias era tão grande que centenas de pessoas entenderam que ir à praia era a melhor opção. O tempo colaborava. Os lindos dias de sol que brilhavam eram convidativos para se "refestelarem" na areia. A incompreensão dessas pessoas fez prefeitos e autoridades correr com carro de som pedindo para que fossem para casa. Um caos se formou e a solução foi proibir a entrada de turistas nas cidades balneárias.

O assunto tomou as 24 horas do dia nos noticiários, nos programas televisivos, redes sociais e WhatsApp. Só não tomou conta das conversas de bar, já que todos foram fechados e proibidos de frequentar. O que reverberava era o #ficaemcasa. E em casa comemos, bebemos e engordamos.  E assim continua.
 
As noites na pandemia 
 
A cena era de terror vista apenas em filmes. Em contrapartida as noites eram lindas. Nem em época natalina os prédios ficavam tão iluminados. Das janelas laterais do prédio onde moro, é possível observar o bairro Atiradores e os edifícios pareciam árvores de Natal gigantescas. Enquanto as casas lembravam os presentes colocados sobre este símbolo do natal. Podia até ser confundida com uma tal felicidade. Como ninguém saía de casa não dava para se sentir sozinho como normalmente acontece nos fins de ano quando famílias inteiras viajam. Ainda assim não dava para sentir como se estivéssemos vivenciando os melhores dias de vida.

Como única opção fizemos disparar, involuntariamente, a audiência da Netflix. Filmes e séries, acompanhada de vinho, superou todas as expectativas, principalmente a minha, que sempre detestei séries. Depois vieram as lives. Estas salvaram muitas das minhas noites e fins de semana. As primeiras foram feitas em abril, mas sobre este assunto deixo os detalhes para contar mais tarde. Fiquemos, por enquanto com as séries.

Penso que o sucesso de uma série está em prender a atenção com o enredo, uma amarração perfeita, personagens sedutores e episódios com finais impactantes. É preciso levar o espectador a querer saber o que vai acontecer, fazendo-o procrastinar qualquer outra atividade, quase como um vício. Por falta desse tempo, a sensação agoniante de que são histórias que nunca terminam, sempre me mantive afastada delas. Mas naqueles dias, tempo era o que não me faltava e sucumbi à elas.
 
Entreguei-me aos seus excitantes capítulos e assisti algumas das mais famosas, em audiência e em quantidade de temporadas. Entre elas The Game of Thrones, disponível no Now. Foram 8-Temporadas de 73-Episódios, com duração que varia de 50 a 82 minutos cada um. Incrível o poder que eles tiveram de me manter o equivalente a  3 dias, se contadas as horas ininterruptas, entre figurinos belíssimos, cenários espetaculares e personagens mais ainda. Mas só com a compreensão de ser um retrato de época, associado à histórias fantasiosas, é possível assistir até o final devido às cenas de violência extrema.

Passei o tempo também com a belíssima, não menos violenta, e ainda não encerrada Outlander. As 5-Temporadas de 67-Episódios de 50 a 90 minutos, em média, cada um, me envolveram outras 67 horas entre o amor de James e Clair, os personagens principais. 
 
Porém nenhuma me encantou mais do que The Black List e seu protagonista Raymond Reddington, interpretado por James Spader. Foram 7-Temporadas de 152-Episódios e 45 minutos cada um. Os detalhes desta série já foram postados no blog SuperLinda. Resta aqui, acrescentar a observação sobre a surpresa do último capítulo, da sétima temporada feita pelo jornalista @profeBorto "Profissionais de três continentes se uniram para terminar a série criando personagens digitalizados. Foi uma demonstração de respeito com o público".
 
E seguiram outras tantas intercaladas entre filmes e alguns documentários: Catedral do Mar, Nada Ortodoxa, The English Games, Chesapeak Shores, Toy Boy, Anne com E, Chamas do Destino, e eu reflito assim como em muitos momentos desta pandemia. Quanto tempo perdido! Entretenimento tem a ver com entreter, distrair e não fazer disso uma opção de vida.

Assisti a todas sem a sensação de prazer e sim com a preocupação de buscar algo para afagar a solidão que sentia. Algo que fizesse eu esquecer que estava confinada. E assim permanece.

Legenda de foto para acesso do deficiente visual. Montagem de foto com calendários de março a setembro, relógios e eu representando o blog olhando para as imagens com o sentido de ver o tempo passando. Arte de Leticia Rieper.

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