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Página do jornal onde foi publicada a carta |
Uma mensagem recebida por WhatzApp com as imagens, aqui publicadas, resultou neste post. Quando obtive autorização para divulgá-la, disse a Ney Emilio Clivati: "Sinto que escrever sobre isto vai me dar mais trabalho do que pensei, porque aqui há muita emoção envolvida". E assim aconteceu. Depois de relembrar, toda uma vida nesta região, quando o município de Bombinhas ainda fazia parte de Porto Belo, veio um sentimento de nostalgia.
Esse era o destino de férias, para a junção da família e os piqueniques com tios e primos. Passar o dia em Bombinhas exigia preparativos antecipados. As tias, Miza, Lilinha, Bela, Emengard, e minha mãe, preparavam galinha com farofa, sanduíches, cuca, banana, suco e água. Tudo era feito de véspera. No dia seguinte, era só enfrentar o "morro de Bombas", ainda sem asfalto, e desfrutar o dia nas transparentes águas de Bombinhas. Brincadeiras de criança.
Anos se passaram e este lugar continuou por muito tempo a ser um recanto paradisíaco. Acho até, diante de tanta beleza, que ainda o é. Adolescentes, fazíamos o mesmo percurso, agora sem mães e tias, em busca das praias desertas, como era a de Quatro Ilhas, para namorar. Brincadeiras de jovens, nem tão brincadeira assim, mas de lembranças eternas.
Naquela época, sabíamos que existia as praias de Zimbros, Mariscal, Canto Grande, porém o acesso era tão difícil que nunca íamos para lá. Talvez até amendrontados pelo tio Zely, que sempre comentava com os clientes da madereira: "No caminho de Zimbros, o caminhão não sobe". Éramos pivetes, mas tínhamos receio, para não dizer medo, que nossos pais descobrissem que andávamos por aquelas bandas sozinhos. A estrada para chegar nas praias que ficavam do outro lado de Bombinhas não era a mesma de hoje.
Aqui, eu me perderia, letras afora, a contar todas as história desse tempo, e porque não dizer, desse tempo que era muito bom. Pelas boas lembranças revividas, agradeço ao Ney a sua Carta ao Leitor publicada no Jornal Notícia do Litoral. Infelizmente, durante a leitura, a cada linha, meus pensamentos iam desabando na realidade. Senti a dor, em forma de revolta, latejante lançada a palavra escrita.
Tive esse mesmo sentimento, há alguns anos, quando voltei a Bombinhas num final de semana, em pleno verão. No retorno, levei 4 horas para fazer o percurso daquele ponto até Meia Praia, em Itapema. Cerca de 22 km de distância. Nunca mais voltei.
Não conheço o autor da carta pessoalmente. O contato foi fornecido, gentilmente pelo jornal, após consulta. Conversar com ele, trouxe a certeza da desilusão que sente. O seu projeto de vida foi engolido pelo desenvolvimento desenfreado e sem critérios que aquela região vive hoje. É sabido, por exemplo, que há pouco tempo, um hotel 5 estrelas foi fechado na cidade, suspeito de jogar esgoto no mar. Um crime divulgado amplamente pelas mídias e redes sociais, e não sabemos quantos outros devem existir.
Após a primeira conversa, o engenheiro civil, contou com evidente sinais de desencanto, que reside em Balnéario Camboriú, desde 1980. Planejou e foi morar na praia de Zimbros, município de Bombinas há 2 anos. Lá construiu uma casa observadas todas as regras de preservação ambiental. No caminho da casa até o mar, além do cuidado com a vegetação nativa, foram plantadas palmeiras, compradas em Corupá, com autorização da Fundação de Amparo ao Meio Ambiente - Famab.
Tanto empenho e mesmo assim o futuro tão planejado, desmoronou. O desabafo veio em forma de uma longa carta destinada aos brasileiros e a sua decepção no retorno à cidade de origem. Com desânimo, ele diz: "Saí de Bombinhas há 4 semanas e retornei para Balneário, onde prevalece a paz. Não voltei mais a Zimbros, desde então. Cansei da bagunça, do descontrole, do desrespeito. Cansei do Brasil".
Eu fico aqui pensando: se é Balneário que está dando paz a ele, imagine no que se transformou Zimbros.
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Foto de Ney E Clivati. Caminho entre a casa e a praia com palmeiras plantadas. |
Abaixo, na íntegra, a carta escrita por Ney Emilio Clivati.
Bombinhas: Retrato do Brasil.
A cidade é um encanto, matas, montanhas, praias de água
transparentes, com atração para todos aqueles que gostam de natureza.
O comercio é ativo, o visitante encontra lojas variadas, com
produtos de qualidade, atendimento excelente.
A gastronomia é variada, pode-se escolher o que comer e com
preços condizentes com a qualidade.
Os atendentes são os mais
educados que já encontrei, nunca vi um garçom, entregador ou alguém que lide
diretamente com o público ser grosseiro.
Os estrangeiros são entendidos, falam e todos se superam
para serem compreendidos. Isto pode parecer pouco, mas em quase todos países
que visitei, os nativos fazem questão de não serem entendidos e não ajudam em
nada o turista.
Esta é a cidade que escolhemos para morar, para investir, empreender
e nela criar raízes e vínculos econômicos.
O Brasil é assim, belo e hospitaleiro, tal como Bombinhas.
Mas, Bombinhas também representa em muitos aspectos o que de
pior existe no Brasilzão.
Vejamos:
O Estado arrecadador está presente constantemente, cobrando
TPA. Esta é a síntese do que o estado constituído faz, arruma taxas, impostos,
tarifas etc para tirar da população o seu sustento, empobrecendo o contribuinte
e aumentando seu poder.
Como o Estado é detentor da violência, e só pode ser
exercido por ele, o cidadão fica refém da sanha por dinheiro novo dos
governantes. O que o cidadão pode fazer além de pagar a conta da estrutura
burocrática?
O governo nunca diminui de tamanho, a partir do momento em
que ele criou alguma autarquia, órgão, taxa, tarifa, ou qualquer coisa, isto só
tende a aumentar, nunca diminuirá. Mesmo porque esta estrutura criada é uma
forma de se perpetuar no poder, quanto maior a burocracia, os funcionários e a
arrecadação, maior será o poder político de quem está no poder.
Assim é em Bombinhas, assim é no Brasil, a vida do governo
de plantão é arrecadar, arrecadar e arrecadar.
Outro aspecto comum ao nosso microcosmo e ao Brasilzão é a
qualidade de parte da população.
Tenho me deparado todos os finais de semana, com “baladas”
na areia da praia de Zimbros, com som automotivo no último volume.
Impossibilitando o sono de quem mora no bairro.
Isto ocorre todo final de semana, no carnaval ainda se
releva porque a loucura ocorre em todo Brasil. Mas as baladas são recorrentes,
todo final de semana, começando na sexta feira de noite, e finalizando toda
noite de sábado.
Quatro carros, rebaixados, velhos, um celta branco, um celta
vermelho, uma perua da GM, todos eles com placas identificadas, se posicionam
ao lado da colônia dos pescadores no final da Rua Itajaí Açu, e ligam o som em
altura que nunca tinha visto, o som grave dos subwoffers faz tremer as janelas,
o ouvido encostado no travesseiro fica ouvindo o tum, tum, tum, tum, o tempo
todo, até o sol raiar.
Impossível dormir, pensar, escutar televisão. Ler se torna um
exercício mental tremendo, já que não se consegue desligar do TUM, TUM, TUM, e
para coroar tem um TUINNNNNNNNN.
Esta situação representa a síntese do que é o Brasil: Uma
parcela ignorante, com carros velhos, rebaixados, tornam a cidade sem lei,
invadem a privacidade dos vizinhos, abandonam lixo, garrafas, passam a noite em
folia, com total falta de respeito pelo espaço alheio. E ficam impunes.
Isto em qualquer país civilizado seria motivo de prisão, de
todos, menos em Bombinhas, menos no Brasil.
Nunca se verá isto em um país com educação, com respeito pelo outro, com respeito
pelo espaço que o outro ocupa. Vá na Europa, EUA, países escandinavos, Ásia e
ligue o som nos extremos e espere alguns minutos. Isto só existe no Brasil,
onde a falta de educação, cultura e respeito supera todos os limites, onde o
nível intelectual destes elementos beira a sarjeta.
Na sequência das semelhanças podemos citar a atuação da
Polícia, assim como no Brasil, aqui em Bombinhas, ela não tem aparelhamento
para trabalhar. Todo final de semana os vizinhos telefonam para o 190 e relatam
som automotivo alto, incomodando o sono. E o relato é sempre o mesmo, esperem
que iremos até o local.
Ficamos de plantão esperando para abrirmos um Termo Circunstanciado
para tentar enquadrar este moleques, que desprovidos de intelecto, continuavam
com o Funk. A PM não pode aparecer porque estava com muitas ocorrências.
Os “baladeiros” nos responderam dizendo que são de Itajaí,
que veem para cá porque aqui não tem “pulicia”. E que se quiser silencio tem
que ir para Itajaí. Conversando com alguns, descobrimos que fazem parte do
grupo “Rebaixados do Itajaí”.
Esta falta de policiamento é motivo de um monte de desculpas
por parte da Prefeitura, vide resposta da ouvidoria de Bombinhas:
Agradeço seu contato, em relação ao seu problema
com o som alto informamos que a prefeitura não tem autoridade para coibir esse
tipo de conduta sendo de
responsabilidade da polícia militar. A TPA é uma
taxa que visa preservação ambiental e tem seus recursos aplicados
nesse sentido, entretanto situações
como essa que o senhor descreveu não se atribui
como responsabilidade da TPA nem com o proposto em sua lei de
criação.
Atenciosamente,
Luiz Henrique Gonçalves
Gestor de Contas Públicas
Esta é a única resposta que poderíamos esperar de um gestor
público: Não é comigo, procure outro para resolver seu problema.
Representa o que de pior existe no Estado constituído: cobra
taxas, impostos e tarifas de maneira unilateral, e você, cidadão não tem
direito a dormir de noite, porque o gestor não tem nada a ver com isso.
Representa o desgoverno, a falta de mando do executivo, a
falta de iniciativa, o despreparo para lidar com todos os entraves que tem a
gestão pública. Representa ainda o abandono do cidadão. Eu gostaria de ver esta
balada na frente deste gestor ou do prefeito de plantão para ver se não dariam
um jeito imediatamente. Mas nós somos apenas contribuintes, a mercê do prefeito
incompetente de plantão.
Tomamos, eu e minha família a única atitude possível, fomos
para Balneario Camboriú, onde enfim conseguimos dormir o restante da noite.
A selvageria venceu, a barbárie conseguiu seu intento,
afastou do seu meio aqueles que frequentam restaurantes, que compram nos mercados,
que abastecem seus carros, que pagam impostos. Não fui mais para Zimbros,
gastei em restaurantes em Itajaí, Cabeçudas, Balneário Camboriú, não fui mais
no Berro D’água, (recomendo o filet mignon) comprei no Angeloni, ao invés de
comprar no Girassol, abasteci em um posto da Oswaldo Reis e não no posto Quatro
Ilhas. Estou vivendo e gastando em outras cidades, não mais em Bombinhas.
Esta é outra semelhança com o Brasil, quando Bombinhas se
torna o que se tornou, a gente se desloca para outra cidade. Exatamente assim é
o Brasil, sua estrutura burocrática arrecadadora, a falta de respeito com quem
sustenta esta máquina, a falta de segurança, empurram os que tem condições para
outro país.
TPA: meio ambiente, segundo a
ONU é o conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos e SOCIAIS, que
podem afetar direta ou indiretamente os seres vivos e as atividades humanas.
Oras, se a TPA é para cuidar do meio ambiente, a poluição sonora
deveria ser um dos fatores a serem cuidados por esta taxa. Isto não está sendo
feito, não existe nenhuma ação de conscientização, de policiamento, ou
simplesmente de limpeza logo de manhã onde a bagunça ocorre.
A TPA não cumpre seu objetivo, é apenas um meio de aumentar
o poder dos políticos, que contando com mais arrecadação e mais pessoas
trabalhando para eles conseguem sua perpetuação no poder.
Uma simples reunião com a PM, ou então um carro com dois
funcionários circulando pelos pontos onde os funkeiros se reúnem bastaria para
acabar com o problema. Mais simples ainda seria bloquear a saída no morro e
enquadrar todos os baladeiros.
Eu tenho minhas dúvidas de que estes carros se enquadrem no
código de trânsito onde:
“Art. 3º As
modificações em veículos devem ser precedidas de autorização da autoridade
responsável pelo registro e licenciamento.
Parágrafo único.
A não observância do disposto no caput deste artigo incorrerá nas penalidades e
medidas administrativas previstas no art. 230, inciso VII, do Código de
Trânsito Brasileiro .
Art. 4º Quando houver modificação exigir-se-á
realização de inspeção de segurança veicular para emissão do Certificado de
Segurança Veicular – CSV, conforme regulamentação específica do INMETRO,
expedido por Instituição Técnica Licenciada pelo DENATRAN, respeitadas as
disposições constantes da Tabela anexa à Portaria a ser editada pelo órgão
máximo executivo de trânsito da União.”
Temos então dois casos:
Ou estes rebaixados de Itajaí estão todos regulares e a PM
não pode fazer nada ou existe uma conivência com os “baladeiros”.
Mas se estiverem regularizados, quem deu a autorização foi
alguma autoridade responsável.
Resumindo:
Bombinhas é o retrato do Brasil, uma parcela ignorante manda
e desmanda, Policia sem estrutura, governo incompetente preocupado em arrecadar,
lixo espalhado, funk, músicas de péssima qualidade, (vem abaixando, vem
devagarinho, vem com esta bundinha).
Para o Brasil as saídas são três: terra, mar e ar.
Para Bombinhas só tem uma e é pelo morro mesmo.
Ney Emilio Clivati
Morador de Zimbros – Bombinhas.
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