Esse é um texto publicado originalmente na REVI - Revista Eletrônica da Faculdade de Jornalismo Bom Jesus/Ielusc
Por Raquel Ramos
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"Sol da meia noite" na Praça de Tallinn, na Estônia |
Em
uma viagem podemos não entender tudo o que ouvimos, nada do que lemos, mas
jamais esqueceremos o que vimos e, principalmente, o que sentimos. Essa é uma
frase que costumo repetir sobre o que eu penso a respeito de viajar. Em relação
à Rússia, mais do que nunca, ela se encaixa perfeitamente. O idioma russo é
escrito em alfabeto cirílico, originário do grego e do hebraico com 33 letras.
Veja, por exemplo, como é escrever ALFABETO
RUSSO: РУССКИЙ АЛФАВИТ. Mesmo sem entender o idioma, parti, numa viagem feita em três
etapas, para conhecer mais dessa rica cultura.
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"Sol da Meia Noite" em Helsink na Filândia |
Primeiro rumamos para Helsink, na
Finlândia e ali as surpresas já foram surgindo, a começar pela travessia de
Ferry Boat para Tallinn, na Estônia. Esqueça todas as experiências que você
possui com transporte em balsas
brasileiras... Entramos em um navio quebra-gelo, meio de transporte normal para
aquela região de rios congelados pelo inverno rigoroso.
A surpresa maior nessas duas primeira cidades foi vivenciar o
chamado "sol da meia-noite". Não existe noite escura como estamos
acostumados a ver. O fenômeno acontece nos meses de junho e julho nos dois
polos, Norte e Sul. A fantasia, em torno desse fenômeno, fica por conta do
filme com o mesmo nome, estrelado por Mikhail Baryshnikov, em 1985, e o livro Noites Brancas, de Dostoiesvki.
O sol se põem, mas
não desaparece. Às duas da manhã, quando você pensa que vai escurecer, o dia
começa já está amanhecendo. É "um dia
que não escurece, uma noite que nunca chega", como descreve o instagram de @racielneto.
De Tallin a São Petersburgo a
viagem foi feita de ônibus. Na fronteira
com a Rússia, o controle é bastante rigoroso. É necessário passar por três
guaritas para conferência dos passaportes. O procedimento é tenso.
Antecipadamente fomos avisados para descer e tirar os óculos de sol diante do
funcionário que olha demoradamente para a foto do passaporte e para a pessoa, a
fim de comparar se não há fraude. Em seguida, confere a autenticidade do
passaporte utilizando vários tipos de scanner.
Uma das passageiras,
antes de embarcar no Brasil, havia extraviado seu passaporte e viajou com um
emitido com urgência na Polícia Federal. Este era de cor diferente dos demais e
tinha uma inscrição que dizia "Provisório". A brasileira teve que
responder a várias perguntas, misturando seu inglês e alemão e deixou gravada
uma explicação sobre o ocorrido. Enquanto isso, outros soldados entravam dentro do ônibus para a vistoria. É desses
momentos em que você sabe que não fez nada de errado, mas pensa: "e se
eles "invocarem" com alguma coisa?"
Ali, na fronteira,
recebe-se uma ficha de autorização para permanência no país, que deve
obrigatoriamente ser apresentada no aeroporto quando da saída. A recomendação
é: perca o passaporte, porque dá para fazer outro na embaixada, mas não perca
essa ficha.
Enquanto tudo isso
acontecia, eu só pensava no quão austero e tenso devia ser passar numa
fronteira como essa em tempos de guerra, ou quando ainda o país era governado
pelo sistema comunista. Enfim, com tudo resolvido continuamos até chegar a São
Petersburgo.
Um
mergulho na cultura russa
A visita a São Peterburgo durou três dias,
para conhecer a cidade dos palácios de Pedro, O Grande, e Catarina, a Grande, o
famoso Museu Hermitage e fazer alguns
passeios. A
partir dali o percurso até
Moscou foi feito por cruzeiro fluvial, um programa chamado “Por entre rios e
lagos na rota dos Czares”.
Nesta terceira
etapa, passamos por quatro pequenas cidades do interior da Rússia, a passagem
por 16 esclusas, que são represas ou câmeras de concreto, com duas enormes
comportas de aço nas extremidades. Elas formam um canal de passagem para
possibilitar a navegação quando há grandes desníveis no rio. Uma se abre para
entrar a água e elevar o nível e então fechar a outra. O funcionamento é
semelhante a um elevador aquático. Sem essa arte da engenharia, não seria possível
navegar nesses rios.
Depois
de passar a entrada no famoso Rio Volga, chegamos ao destino. Durante a maior
parte desse trecho, que durou sete dias, o efeito da noites brancas continuou nos
acompanhando. Sentar nos decks do navio ou nas salas envidraçadas para apreciar
aquela visão, que a cada dia parecida nova, era incansável.
O
navio utilizado era pequeno, com capacidade para 200 passageiros. Havia
confortáveis ambientes de bar, biblioteca,
sala com wifi, embora de
pouca potência, e atividades envolvendo os passageiros com a cultura
russa. Foi ali que tive a oportunidade de ter algumas aulas do idioma
russo, aprender mais sobre a história do país. Também participei de coral e
dança folclórica e, claro, não faltou a degustação da tradicional vodka. Tudo orientado por guias
que falavam espanhol. Essas experiências jamais serão esquecidas. Numa viagem
em que você só conhece pontos turísticos, não dá para perder a menor
oportunidade de se envolver com a cultura do povo. Um mundo tão diferente do
nosso, um lugar onde você pode sentir na pele a real sensação do que é ser
analfabeta. É impossível ler, escrever ou entender uma única palavra.
Foram
três aulas de russo, quando nos foi apresentado o alfabeto cirílico, algumas
poucas frases de cumprimentos e agradecimentos. As letras das
músicas foram escritas
em alfabeto latino, de modo a representar a pronúncia das palavras. Quem
conseguiu escrever um diálogo com as frases ensinadas recebeu um diploma. Vale
a participação, a esportividade e a vontade de se integrar.
De
tão pequenas, duas cidades visitadas são chamadas de aldeias. Mandrogi e Kizhi foram restauradas para se
tornarem pontos turísticos desse trecho do cruzeiro. Mandrogi tem 150 habitantes e Kizhi, 80. Fora os
moradores permanentes, muitos deles provenientes da Sibéria, diariamente
deslocam-se das cidades maiores, ao seu entorno, cerca de 200 pessoas para
trabalhar nessas aldeias. As edificações construídas em madeira, tora a tora,
encaixadas sem pregos ou parafusos e o artesanato das matrioscas são os
principais atrativos. Trabalho lindo, minucioso, verdadeira arte de pintura.
Casas
de madeira são muito comuns na Rússia e, por isso mesmo, o país sofreu com
muitos incêndios provocado pelo material de fácil combustão.
Fazer o percurso
entre as duas maiores cidades da Rússia, São
Petersburgo e Moscou, é como andar sobre águas rodeadas por florestas de
pinheiros. O transporte da madeira é feito por
embarcações no rio. Chamou nossa atenção o desmatamento, bastante visível nesse
trecho.
Em Goritsy e Uglish há belas
construções, igrejas, campanários e um comércio de roupas de linho para o verão
e de casacos e gorros de pele. Belas peças a bom preço.
Nas
metrópoles, há calefação em todos os ambientes, edifícios e ônibus. A guia
comentou que ninguém sobrevive sem calefação, mas no interior, as casas eram
construídas com fornos de lenha, em formato quadrado, para aquecimento, e
também serviam de cama para crianças, idosos ou enfermos.
Esse
passeio no inverno, quando, os rios e lagos ficam congelados, é feito de trem.
É preciso roupas e sapatos adequados para sobreviver. No interior, muitas
pessoas são pobres e não têm condições de comprar material e equipamentos contra o frio. Por todo o percurso veem-se
belas casa à margem do rio, acampamentos onde a população aproveita seus poucos
dias de verão.
Mudança de regime trouxe sentimentos
contraditórios
A
Rússia possui um história forte, rica e poderosa, sobrevivente de muitas guerras. É um país
em transformação.
De fato, o povo
russo é muito fechado. Não há como fugir dessa ideia inicial e que
considero perfeitamente compreensível. Eles têm somente 40 dias de
sol por ano. No inverno rigoroso, quando o dia escurece às 16 horas, todos dão
muito valor às poucas horas do dia em que há luz, mesmo sem sol. Além disso,
viveram o sistema opressor do comunismo, quando não podiam manifestar sua ideias, e os
jovens ainda sofrem essa influência na educação recebida em casa.
Sobre a diferença entre viver no
socialismo ou no capitalismo, Lomakina de Leiva Svetiana, guia
turística de Moscou, opina: "Es todo lo mismo". Segundo
ela, o capitalismo era uma grande esperança para os russos. Tinham a ilusão de
que seria muito melhor. Svetiana conta que seus avós preferem o comunismo, pois
se sentiam mais seguros; os jovens preferem o capitalismo.
Esse sentimento contraditório das pessoas em relação aos dois regimes,
parece muito presente. Ekatarina Petrovna Ivanyuskina,
também guia turística, diz que antes eles tinham o básico, o que precisavam,
mas não tinham liberdade. Embora tenha um sentimento de nostalgia, por ter
vivido uma infância feliz, prefere o capitalismo. Afirmou também ter sido muito
dura a sobrevivência nos primeiros anos, sem emprego e trabalho para os mais
velhos.
O Kremlin é uma fortaleza. Há vários kremlins por toda a Rússia. Em
Moscou, o palácio do governo russo está localizado dentro Kremlin de Moscou,
formado por suas muralhas, na Praça
Vermelha. E sobre a Praça Roja, há também uma curiosidade, que eu desconhecia.
O nome Praça Vermelha não se refere às construções rubras, mas porque “rojo”,
em russo antigo, significa bela, portanto, é a Praça Bela.
Dizem os russos que, se eles são o maior país em território, têm a maior
capital e a maior população do mundo, precisam ser a maior nação. E quem tiver a
oportunidade de visitar a Rússia não terá dificuldade em entender o sentido
desta frase. É só olhar em volta. Todos os monumentos históricos e
igrejas vêm de sucessivas reconstruções. Destruídas por sucessivas guerras, as
edificações parecem intactas, como se fossem novas. Isso me faz crer que Moscou
se renova não só para o Mundial de Futebol do próximo ano, mas para todo o
sempre.
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Entrada no Rio Volga |
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Praça Vermelha de noite - Moscou |
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Salão dourado do Museu do Hermitage |
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Palácio de Catarina, a Grande |
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Pintora de matriosca |