quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Minha mãe é uma peça – e é vários livros também

Minha mãe e o processo de escolha dos livros.

Certa vez uma amiga, no meio de uma conversa, quando soube quem era minha mãe, me disse, como que indignada:
- Como que você nunca comentou que é filha da Mila Ramos?

Ao que eu respondi:
- Porque quando estou falando da minha mãe, estou me referindo à Zelândia (nome verdadeiro dela), não à Mila.

Conhecida por alguns como a professora, por outros como a poetisa e por alguns outros como mãe ou simplesmente como vó e por um único com bisa, ela definitivamente não é a mesma pessoa. Há uma tênue, mas distinta linha entre uma e outra.

Faça suas lembranças voltarem ao passando e você, se a conhece, a verá andando pelos corredores das escolas e da faculdade usando um jaleco branco, falando alto e de voz firme. Alta, seu corpo redondo, nariz para o alto, esguia, elegante e linda.

Com o domínio absoluto das palavras ela se escondeu entre letras, largou nas linhas as suas paixões, encantamentos, alegrias e tristezas. Sua poesia é um desabafo dos seus sentimentos.

Como mãe ela é maravilhosa, cheia de amor e carinho com os filhos e com netos e bisnetos é transbordante. Porém aqui não estamos falando da profissional da educação nem da personagem poética de seus livros – estamos falando da pessoa. Portanto temos brigas, impaciência e diferenças. Lidamos no dia a dia com uma personalidade forte e só nos resta administrar os impasses. Respeitá-la, fazendo curvas e voltas para desviar os caminhos intransponíveis, por onde ela ainda insiste em querer passar.

Seus olhos azuis reluzem até hoje; a capacidade física está limitada, mas a sua inteligência e sede pela leitura a idade não rouba. Aos 84 anos ela tem um blog, do Facebook não gosta muito e prefere o Twitter, porque gosta dos assuntos de política. No Natal ganhou quatro livros de presente, dos quais três já tinha lido durante o ano. Nesta semana ela me chamou e disse:
- Quel (como me chama), preciso trocar os livros que ganhei.

Completando com uma intimação:
- Mas sou eu que tenho que ir na livraria para escolher.

Se não fosse por respeito, seria por obediência. O deslocamento até a loja tem que ser feito com calma, parar o carro próximo da porta, descer, falar com a atendente para que disponibilize uma cadeira próxima à estante dos livros. Para que tudo isso aconteça é necessário tempo, porém pedidos desta natureza não podem ser negligenciados

Estando tudo pronto e organizado, então ela entra. Altiva feito rainha, conduzida pelo braço, devagar, a passos curtos, com cuidado, mas com o nariz empinado de sempre e vai logo dizendo:
- Livro fininho eu não quero.

Muitos dos que a atendente Marília, pacientemente lhe mostrava, ela dizia:
- Este eu já li, mas pode indicar para seus clientes porque é muito bom.


Entre os escolhidos está Dostoiévski. Há que se respeitar esta mulher. Ela sempre me surpreende. Abaixo estão os escolhidos.

  


Descrição detalhada das fotos para acesso do deficiente visual (para saber mais clique aqui 1 - Foto de minha mãe sentada em frente as estantes de livro no interior da loja. 2 - 3 - 4 - 5 - foto da capa dos livros escolhidos. Na sequencia; Crime e Castigo (Dostoiévski), Destino La Templanza ( María Dueñas), O perfume da folha de chá ( Dinah Jefferies) e Belgravia ( Julian Fellowes).

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