quinta-feira, 9 de julho de 2020

O novo normal X o antigo normal


O novo normal chegou. Já nem o coloco entre aspas, uma vez que veio para ficar. O termo é citado nos debates sobre os novos hábitos, integração, gestão, imersão no mundo digital, aprofundamento em inovação e negócios, consumo, e-commerce, trabalho remoto, aprendizado à distância e uma profusão de novas tecnologias para um mundo novo e normal.

Esses são os assuntos do momento. Compreender os processos de transformação enquanto se aprende a viver, conviver, e principalmente driblar a experiência com o ignóbil Covid 19. Mas em resumo tudo isso significa se adaptar a conviver à distancia.

A leitura que faço desse novo normal é a de que o novo normal é anormal e que vai detonar com o mundo do idoso. Não me refiro às mortes pela doença, mas da letargia que paira sobre nós. Quando jovens as grandes mudança não nos abalavam, hoje nosso poder de recuperação é infinitamente mais lento e não haverá tempo de nos reerguermos. Nessa fase da vida tempo perdido é literalmente tempo perdido.

O vírus não distingue o jovem do velho, mas mata o segundo, justamente por sua vulnerabilidade. Todos os cuidados são para preservar estas vidas, mas o processo e mudança é penoso e está causando uma transformação muito mais séria. Simplesmente viramos um número de estatística na categoria grupo de risco, sem vontade própria, sem sentimento, sem voz.

Todo cuidado é pouco, dizem. A quarentena se prolonga em demasia e torna esta frase, envolvida de atenção e carinho, extremamente deprimente. A realidade da vida do idoso está muito além da possibilidade da aplicação da palavra resiliência. O despertar da solidariedade entre vizinhos, o leva e traz de alimentos e remédios em casa, a atenção manifestada por vídeoconferência familiar, já não é satisfatória. Quero a minha vida de volta. Quero o meu antigo normal de volta.

Fui forçada a aceitar uma vida que não é a minha, mudanças que não desejo, adaptação comportamental para um modelo que não tenho. O novo normal para o idoso é ficar isolado dentro de casa a conversar com uma tela de celular. Os exemplos vistos em reportagens do mundo inteiro mostram idosos rindo quando interagem com os familiares usando esta tecnologia, mas não mostram suas lágrimas quando desligam.

Durante anos palestras sobre longevidade nos diziam sobre fazer atividade física, sobre caminhar em meio a natureza, sobre estudar ou participar de grupos de leitura, de trabalhos manuais. Até aulas de uso de computador e celular deveríamos frequentar, teria sido um presságio?

Interação social era a expressão recorrente para a saúde e sanidade mental do idoso. Hoje isolados, garanto como parte desse grupo, que é preciso um olhar mais atento sobre o futuro deles. O novo normal não é saudável para o idoso, é solitário. Enquanto uns morrem nos hospitais, outros estão se esvaindo dentro de casa.

Os dias começam com a preocupação do vazio que há dentro deles. Eu quero é deitar a cabeça no travesseiro e dormir de felicidade pelo dia atrapalhado e corrido que tive. Meus planos foram por água abaixo. Nunca tive uma vida pacata e não quero ter. Sou ativa. O trabalho de casa ou em casa não me faz feliz. Quero voltar a ter vontade de ficar um final de semana jogada no sofá assistindo televisão e não que essa seja a minha rotina diária.

Não quero estar feliz por estar viva, quero estar feliz por viver a vida, ter um sentido maior, cheia dos problemas normais que sempre tive, atividades e planos. Quero a minha mente me desafiando, criando textos e para isso preciso vivenciar experiências, contatos. Quero a minha independência. Quero meus músculos treinados em academia. Preciso deles para sentar, levantar, deitar e caminhar, justamente porque sou idosa.

Quanto aos alongamentos da coluna e da lombar, eu juro: queria não precisar deles porque alongar dói muito mais do que levantar peso. Mas exijo meu pilates de volta. Preciso dele para desde a fechar o sutiã nas costas a alcançar um prato na prateleira de cima do armário, para ter equilíbrio, para ter postura e andar ereta.

Há quatro meses que tudo mingua em nós idosos. Não acredito neste “admirável mundo novo” mais solidário que viveremos a partir desta experiência. A utopia é a realidade. A extinção de pandemias não existe. Outras virão e temos que viver o antigo normal com urgência.

Quero a minha alegria de volta ou eu vou começar a gritar: cadê a minha endorfina que tava aqui?


FOTO: Montagem de uma foto do globo terrestre com máscara e sobrescrito o título do post.


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