sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Setembro chegou e com ele seis meses de pandemia - Parte 1

 


Março de 2020
 
Data que marca o início, no Brasil, da maior quarentena vivida no mundo, e em todos os tempos, por conta da pandemia do coronavírus. Dias assustadores. As declarações das autoridades eram, ditas por eles mesmos, sem nenhum conhecimento científico. Qualquer relação que se fizesse com a Peste do Século XVII, a gripe espanhola em 1918, a gripe suína, a A1N1 parecia água potável escorrendo pelo ralo na opinião dos especialistas, historiadores, classe médica. Políticos? Nem se fala.
 
Para alguns mais para outros menos. Para mim são 180 dias, desde então, ou seis meses, de afastamento social. Este é um relato que faço a partir de anotações pessoais desde a primeira semana de pandemia. A ideia era escrever um diário, bem ao estilo "Meu querido diário" com uma única publicação quando tudo terminasse. Mas o tempo continua passando e esse tal momento parece não chegar.

Escrever foi uma forma de passar por todo esse período. Publicar pode servir de exemplo, consolo, identificação, sentimentos comuns ou não. É "textão" e o leitor não chegar ao final é um risco que sempre corro. A única certeza que tenho é a de que se eu me demorar muito em publicar, a probabilidade de achar pouco interessante os meus escritos e colocá-los no esquecimento é grande.

 

Assim começou

 

Fez-se um silêncio ensurdecedor na cidade. Só se ouvia um barulho constante: o das motos de delivery. Todas as pessoas ficaram dentro de casa e mesmo sem vê-las sabia que estavam, assim como eu, de olhos arregalados e assustados grudados na televisão e celular.
 
Do alto do 11º andar eu olhava a rua Otto Boehm, uma das vias mais movimentas da cidade, e ela estava completamente vazia. Ninguém ia para o trabalho, nenhum carro transportava crianças para a escola, ninguém caminhava fazendo exercício. As calçadas passaram a ser um espaço permitido apenas para os donos de cachorros. A estes sim, por conta dos seus animais, era permito andar na quadra para os pets fazerem suas necessidades. Justo.
 
Crianças, adultos e idosos. Todos, sem exceção, tinham de se trancafiar em casa. Entre os adultos, um deles, sempre o mais jovem, era escolhido para ir ao supermercado ou farmácia, se necessário. O medo tomava conta. Tive a impressão que algumas pessoas com quem cruzei por entre as gôndolas, no interior desses estabelecimentos, evitavam até de me olhar. A ordem era não chegar perto. Acho que faziam isso para evitar a aproximação e pensava comigo mesma que olhar e dizer bom dia não contaminava.
 
Na padaria em frente a minha casa a fila se formava na calçada. De olhos baixos para o celular, as pessoas entravam e saiam sem nem cumprimentar as atendentes. Falavam o necessário e num tom de voz baixo. O silêncio era absoluto. Os olhares não se cruzavam. Pareciam não querer serem notadas.
 
Voltar para casa, depois de qualquer tarefa, significava cumprir um ritual: tirar a roupa apressadamente e jogá-la na máquina de lavar. Na sequência, ir para o chuveiro tomar banho completo. Enquanto isso, outro membro da família lavava todos os produtos trazidos da rua antes de usar ou guardar no armário. Do que se lia nos grupos de WhatsApp, parecia haver uma concorrência amigável entre aqueles que contavam com mais orgulho, de si mesmo, sobre a dedicação com que cumpriam a missão.
 
Entre os mais aplicados havia quem, se bem apurado, confessaria que lavava até o que ia para o lixo. Um ato aplicado às sacolas de supermercado reaproveitadas na lixeira da pia ou do banheiro. Isso não escondiam e se vangloriavam enquanto relatavam coisas assim.
 
Houve também um certo descontrole e insegurança entre aqueles que por mais que as autoridades tivessem avisado de que não aconteceria desabastecimento queriam comprar todo o estoque disponível da loja. O serviço prestado pelas redes de supermercado passou a ser qualificado de acordo com a higienização dos carrinhos de compra, disponibilidade de álcool gel na entrada e controle da quantidade de pessoas no interior do estabelecimento.


Falsa euforia

Creio que a princípio todos achavam que realmente tudo aconteceria e se resolveria em 15 dias. Sem a menor noção de tudo o estava por acontecer, uma falsa euforia tomou conta de todos. Na primeira semana parecíamos de férias. Não ter hora para dormir ou acordar era uma oportunidade sem precedentes, autorizada pelos patrões, abonada pelo governo e atestada pelos médicos.

A sensação de ganhar uma folga extra estava consolidada em decretos. A excitação nos primeiros dias era tão grande que centenas de pessoas entenderam que ir à praia era a melhor opção. O tempo colaborava. Os lindos dias de sol que brilhavam eram convidativos para se "refestelarem" na areia. A incompreensão dessas pessoas fez prefeitos e autoridades correr com carro de som pedindo para que fossem para casa. Um caos se formou e a solução foi proibir a entrada de turistas nas cidades balneárias.

O assunto tomou as 24 horas do dia nos noticiários, nos programas televisivos, redes sociais e WhatsApp. Só não tomou conta das conversas de bar, já que todos foram fechados e proibidos de frequentar. O que reverberava era o #ficaemcasa. E em casa comemos, bebemos e engordamos.  E assim continua.
 
As noites na pandemia 
 
A cena era de terror vista apenas em filmes. Em contrapartida as noites eram lindas. Nem em época natalina os prédios ficavam tão iluminados. Das janelas laterais do prédio onde moro, é possível observar o bairro Atiradores e os edifícios pareciam árvores de Natal gigantescas. Enquanto as casas lembravam os presentes colocados sobre este símbolo do natal. Podia até ser confundida com uma tal felicidade. Como ninguém saía de casa não dava para se sentir sozinho como normalmente acontece nos fins de ano quando famílias inteiras viajam. Ainda assim não dava para sentir como se estivéssemos vivenciando os melhores dias de vida.

Como única opção fizemos disparar, involuntariamente, a audiência da Netflix. Filmes e séries, acompanhada de vinho, superou todas as expectativas, principalmente a minha, que sempre detestei séries. Depois vieram as lives. Estas salvaram muitas das minhas noites e fins de semana. As primeiras foram feitas em abril, mas sobre este assunto deixo os detalhes para contar mais tarde. Fiquemos, por enquanto com as séries.

Penso que o sucesso de uma série está em prender a atenção com o enredo, uma amarração perfeita, personagens sedutores e episódios com finais impactantes. É preciso levar o espectador a querer saber o que vai acontecer, fazendo-o procrastinar qualquer outra atividade, quase como um vício. Por falta desse tempo, a sensação agoniante de que são histórias que nunca terminam, sempre me mantive afastada delas. Mas naqueles dias, tempo era o que não me faltava e sucumbi à elas.
 
Entreguei-me aos seus excitantes capítulos e assisti algumas das mais famosas, em audiência e em quantidade de temporadas. Entre elas The Game of Thrones, disponível no Now. Foram 8-Temporadas de 73-Episódios, com duração que varia de 50 a 82 minutos cada um. Incrível o poder que eles tiveram de me manter o equivalente a  3 dias, se contadas as horas ininterruptas, entre figurinos belíssimos, cenários espetaculares e personagens mais ainda. Mas só com a compreensão de ser um retrato de época, associado à histórias fantasiosas, é possível assistir até o final devido às cenas de violência extrema.

Passei o tempo também com a belíssima, não menos violenta, e ainda não encerrada Outlander. As 5-Temporadas de 67-Episódios de 50 a 90 minutos, em média, cada um, me envolveram outras 67 horas entre o amor de James e Clair, os personagens principais. 
 
Porém nenhuma me encantou mais do que The Black List e seu protagonista Raymond Reddington, interpretado por James Spader. Foram 7-Temporadas de 152-Episódios e 45 minutos cada um. Os detalhes desta série já foram postados no blog SuperLinda. Resta aqui, acrescentar a observação sobre a surpresa do último capítulo, da sétima temporada feita pelo jornalista @profeBorto "Profissionais de três continentes se uniram para terminar a série criando personagens digitalizados. Foi uma demonstração de respeito com o público".
 
E seguiram outras tantas intercaladas entre filmes e alguns documentários: Catedral do Mar, Nada Ortodoxa, The English Games, Chesapeak Shores, Toy Boy, Anne com E, Chamas do Destino, e eu reflito assim como em muitos momentos desta pandemia. Quanto tempo perdido! Entretenimento tem a ver com entreter, distrair e não fazer disso uma opção de vida.

Assisti a todas sem a sensação de prazer e sim com a preocupação de buscar algo para afagar a solidão que sentia. Algo que fizesse eu esquecer que estava confinada. E assim permanece.

Legenda de foto para acesso do deficiente visual. Montagem de foto com calendários de março a setembro, relógios e eu representando o blog olhando para as imagens com o sentido de ver o tempo passando. Arte de Leticia Rieper.

- Seu blog dá acesso ao deficiente visual?   

 



2 comentários:

Unknown disse...

Ótima ideia! Valiosa contribuição para a memória da pandemia .Texto agradável, partilha pensamentos e sentimentos comuns em tempos sombrios. Parabéns, xará.

Raquel Ramos disse...

oi Raquel. Que bom ler o teu comentário. Fico envaidecida com os elogios. Grande abraço.