quarta-feira, 27 de julho de 2016

Um restaurante sem nome e sem placa


       



Nos fundos de uma borracharia, em Cuiabá (MT), na Rodovia dos Imigrantes, Distrito Industrial, próximo ao DETRAN, calor de 35ºC, próximo das 11h30, sem possibilidade de sair dali para almoçar e o estômago reclamando de fome. Esta era a situação. 

O local apontado para comer lembrava um galpão de ferro velho abandonado. Parecia ser qualquer coisa menos um local adequado para uma refeição. Mas a recomendação vinha de quem conhece:

- Ali tem uma "comidinha" bem boa, disse o motorista que estacionava o seu caminhão. 

O que se avista ao entrar na cozinha é um ambiente oposto à impressão causada do lado de fora. O cheiro vindo do fogão à lenha, o brilho das panelas, o detalhe da mesa rigorosamente limpa e arrumada desfaz toda a má impressão inicial, aguça ainda mais o apetite e não há quem saia dali sem antes se fartar da deliciosa comida servida sobre descanso de panelas improvisadas de caixas de ovos. A cozinheira Roberta, que fazia o almoço no lugar de Dona Gorete, afastada por estar doente, disse que já estava tudo pronto, faltando apenas a salada:

- Mas já podem ir se servindo, disse ela educadamente.

Arroz, feijão preparado com carne do sol, costela cozida com aipim, salada de alface, tomate, beterraba, ao preço de R$15 por pessoa. A curiosidade se estabelece, começam as perguntas, e Roberta, de fala calma e tranquila, responde que nunca sabe quantas refeições serão servidas. Prefere sempre fazer a mais e, o que sobra, se não puder ser congelado, é dividido entre os empregados.

- Tem bife e ovo caipira frito também, se quiserem, disse Samuca, o dono da borracharia e também do "restaurante".

Se aproximando da mesa ele traz um moringa de alumínio de água super gelada, fazendo propaganda da cachaça com casca de jatobá que ele mesmo prepara.
Não provar da bebida pareceu ser ofensivo tal o orgulho com que Samuca falou da sua especialidade. E não deixou por merecer um elogio. Rindo ele ouviu o mote:
- Uhum, desceu redondo. 

E não é só isso que esse homem de riso fácil faz. Diariamente, às seis horas, antes de começar na oficina, ele vai ajudar no atacadão de frutas e verduras próximo de sua casa. Em troca do  seu trabalho recebe dos feirantes caixas de produtos de hortifruti granjeiros considerados ruins para a venda nos supermercados.

- Outro dia, contou Samuca, trouxe de lá três caixas de cebola. Espalhamos no sol, tiramos as cascas que não estavam boas, e todos os empregados da oficina levaram cebola pra casa. Já dividimos caixas de mamão, tomate, banana. Lá tem muito desperdício que pode ser aproveitado. Tem muita gente por aí passando fome, disse. Samuca completou contando sobre um vizinha com sete filhos pequenos, sem emprego e sem marido, que eles ajudam com esses alimentos. 

- Aos sábados, continuou ele falando de maneira animada, fazemos caldo de mocotó e vamos todos lá pra feira. 

- Para vender?, mais uma pergunta da curiosidade.

- Não. A gente serve o caldo entre os que nos dão as frutas e verduras. Um ajuda o outro.

Mais uma lição de vida de um trabalhador brasileiro.







4 comentários:

Unknown disse...

Que lição Raquel!!! Fiquei emocionada!!!
Muitas bênçãos pra você, por sua sensibilidade e para todos deste lugar especial!!!
Boa viagem!!! Bjs!!!

Raquel Ramos disse...

Oi, Berinha! Obrigada.

Mhario Lincoln disse...

Você estará na Revista Poética desta semana. DEZ.

Raquel Ramos disse...

Oi Mhario. Ansiosa para ver onde vc viu "poesia" dessa vez. obrigada amigo.